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Em pesquisa realizada em 2018 pelo Datafolha, foi apontado que 62% dos jovens brasileiros (16 a 24 anos) deixariam o Brasil se tivessem a oportunidade. Já entre a população adulta geral, a porcentagem é de 43%. Além disso, 56% das pessoas da classe A/B que possuem ensino superior completo também entram na estatística. Esse fenômeno ocorre por conta do pessimismo da população em relação à economia, desemprego e qualidade de vida do Brasil. Cássia Andrade, 45, vendeu seu imóvel e mudou-se para o Canadá.

 

“Não quero virar Uber nem vender brigadeiros. Trabalho com arte há 30 anos e estou em plena fase produtiva. Não faz sentido ficar só porque sou brasileira e não desisto nunca.”

Apesar do país mais buscado pelos brasileiros ser os EUA, o local com mais facilidade para imigração é Portugal. A exemplo disso, segundo a Folha de S. Paulo, apenas no consulado de São Paulo, 50 mil cidadanias foram concedidas desde 2016. No mesmo período, dobrou o número de vistos concedidos para estudantes, empreendedores e aposentados que pretendem fixar residência em Portugal.

 

Essa possibilidade de continuar atuando no Brasil mesmo de fora é um dos fenômenos que atenuam a chamada “fuga de cérebros”, afirma Marcos Fernandes, pesquisador do Cepesp FGV.

Na área acadêmica, os brasileiros passam a trabalhar na fronteira do conhecimento, e exportam esse conhecimento para o Brasil por meio de parcerias e projetos individuais.

Já no caso de profissionais de nível técnico ou empreendedores o intercâmbio é mais difícil. Mas, segundo Fernandes, há evidência empírica de que a saída de talentos é um movimento de curto prazo. “A não ser em casos de guerra civil ou falência do Estado, boa parte deles acaba voltando.”

No médio prazo, portanto, o Brasil pode ganhar profissionais mais bem formados e experientes num período futuro.

João Amaro de Matos, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, na qual o número de alunos brasileiros é crescente, concorda com a análise.

“Nossa experiência mostra que muitos voltam, e não faz sentido tentar estancar esse fluxo. Os brasileiros mais promissores só vão exercer seu potencial se puderem ser livres para se desenvolver.”

Matos, português que viveu em São Paulo dos 14 anos até se doutorar na USP, cita seu próprio caso: morou na Alemanha e na França, mas hoje está em Portugal e trabalha no Brasil dois meses por ano.

As perdas de curto prazo podem ainda ser minoradas com políticas públicas, diz Fernandes. “O governo precisa criar canais de conexão e participação com os acadêmicos brasileiros no exterior, e gerar estabilidade e crescimento para que os tecnólogos e empreendedores voltem mais rapidamente. Não é o mercado que vai resolver isso.”

A saída de brasileiros traz desafios não só para o setor público, mas também para a sociedade civil, nota o diretor de Mobilização do Todos pela Educação, Rodolfo Araújo, que aponta uma cisão entre o indivíduo e as instituições.

“As pessoas se sentem vítimas do sistema, à parte dele. Com isso, perdem a capacidade de se sentir cidadãs, seja nos direitos, seja nos deveres.”

Para Araújo, é preocupante que os mais escolarizados não se sintam parte da solução, e as instituições precisam se aproximar das pessoas, conhecê-las e ganhar a confiança delas.

“Afinal, o que é ser brasileiro hoje? Não pode ser ‘sou um desiludido, um desesperançado’. Cair nisso é muito perigoso para todos nós.”

Há de fato um clima de desesperança. Levantamento feito no começo deste mês pelo Datafolha mostrou que, para 32% dos brasileiros, a economia vai piorar; 46% acreditam em alta do desemprego.

“Gera uma angústia muito grande. Se nós já estamos em pânico, imagine os jovens”, diz Fernandes. Enrico Aiex Oliveira, 19, um dos 12 mil brasileiros que cursam faculdade em Portugal, pretende fazer carreira no exterior. Gostaria de voltar um dia ao Brasil “se houvesse estabilidade econômica, reforma política e melhora na saúde e na educação”.

O problema, segundo Comim, é que, “se há um futuro, ele não deve chegar tão breve. E dez anos podem não ser nada na vida de um país, mas é muito na de uma pessoa”.

Nessa perspectiva, a vontade de ir embora “é uma atitude racional, de busca de uma vida melhor em um mundo no qual ficou mais fácil transitar”.

Fonte: Folha de São Paulo